terça-feira, 25 de outubro de 2022

Top 10 da teologia católica

 


Caríssimos irmãos em Cristo,

Em janeiro do ano passado, escrevi um artigo com indicações sobre os dez livros mais importantes da espiritualidade católica. Hoje gostaria de deixar outra lista aos leitores do blog. Agora, são dez livros de teologia católica que considero indispensáveis e ao mesmo tempo acessíveis ao grande público, desde que tenham certa cultura religiosa (obtida por meio de catecismos, livros de doutrina etc.). Sem mais delongas, lá vai:


1º - A fé da Igreja - Pe. Royo Marín, O.P. (teologia dogmática)

2º - Jesus de Nazaré - Papa emérito Bento XVI (cristologia)

3º - Glórias de Maria - Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja. (mariologia)

4º - São José, Esposo da Santíssima Virgem Maria - Cardeal Alexis Marie Lépicier, O.S.M. (josefologia)

5º - Concordância dos Santos Evangelhos - Dom Duarte Leopoldo e Silva. (teologia bíblica)

6º - Summa Daemoniaca - Pe. José Antônio Fortea. (demonologia e angelologia)

7º - Jesus Cristo e a vida cristã - Pe. Royo Marín, O.P. (cristologia e teologia espiritual)

8º - Grande desconhecido - Pe. Royo Marín, O.P. (pneumatologia)

9º - Tratado do amor de Deus - São Francisco de Sales, Bispo e Doutor da Igreja. (teologia ascética e mística)

10º - Teologia moral - Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja. (teologia moral)




sábado, 22 de outubro de 2022

Estudo ou pastoral?


Dom Héctor Aguer – Arcebispo Emérito de La Plata

 

         Uma das fantasias ou mitos pós-conciliares é afirmar uma oposição entre estudo e pastoral: dedicar-se ao estudo, à investigação filosófica ou teológica, o ensino dessas disciplinas e as publicações, não seria “pastoral”. Na realidade, ocorre de modo recorrente que o que consideram “pastoral” é uma estupidez [1] inconsciente, um ativismo sem fundamento.

         Os seminaristas são enviados às paróquias muito cedo, com a consequente deterioração e adiamento do estudo; isso prejudica a formação que deveria ser ministrada no Seminário, e logo se implanta a desorientação na vida sacerdotal. O estudo, no processo de formação ao sacerdócio, deve ir junto com a oração, o silêncio e a separação da pressa e da agitação “pastoral” (caso queira se chamar desse modo). Este tem sido um critério tradicional na Igreja; um critério que o Concílio Vaticano II acolheu em seus decretos: Presbyterorum Ordinis, sobre o ministério e vida dos presbíteros e Optatam totius Ecclesiae renovationem, sobre a formação sacerdotal.

         Esses desvios, pelo que se acostumou chamar de “espírito do Concílio”, provocaram que poucos seminários permaneçam com uma formação robusta e profunda. Veneráveis casas de formação ao sacerdócio que, em outros tempos, contaram com brilhantes mestres, de sólida preparação filosófica e teológica, e portanto, de delicado empenho pela salvação das almas, hoje estão divididos entre o raquitismo, a agonia e o mais do que provável fechamento, a curto prazo. A “pastoral” acabou eclipsando, e até banindo o Pastor.

         Essa falsa oposição entre estudo e pastoral tem levado, também, como temos visto recentemente, ao fechamento de seminários prósperos em vocações. Quando eu era seminarista, no Seminário da Imaculada Conceição de Buenos Aires, formavam-se jovens de todo o país. Cada um podia escolher livremente o seminário no qual desejava se preparar para o sacerdócio. Porém, depois do Concílio Vaticano II, produziu-se uma irreparável divisão na Igreja. Muitos seminários ficaram presos em posições progressistas. Uns poucos, ao contrário, assumiram o estilo tradicional, adequado às novas circunstâncias. E tiveram que suportar inúmeras dificuldades, causadas pela oposição da maioria; foram caluniados e acusados ​​de não terem incorporado as novidades do Concílio.

Da minha parte, tanto como Reitor do Seminário Diocesano de São Miguel, que o bispo dessa diocese me pediu para organizar e, depois como coadjutor durante um ano e meio, e em meus posteriores 18 anos como Arcebispo de La Plata (fui o sétimo), tenho comentado incansavelmente os documentos do Concílio. Lamentavelmente, o progressismo mais intenso ou mais tênue invadiu, de maneira geral, a vida da Igreja; com consequências gravíssimas que se fazem notar: seminários vazios ou quase vazios, congregações religiosas destruídas, sem vocações; e desorientação e divisão entre os fiéis.

Permanecem bispos, é certo, que se preocupam seriamente com seus seminários – que são considerados com sabedoria como o “coração de uma diocese” – e que, com a colaboração de bem escolhidos e preparados formadores, empenham-se em formar pastores segundo o Coração de Cristo, e não funcionais conforme o espírito do mundo. E que, uma vez ordenados, enviam sacerdotes que reúnem os requisitos correspondentes para se especializar em universidades romanas ou em outros claustros europeus de prestígio. Ali têm plena disponibilidade para os estudos, não fazem pastoral, ou seja, não se integram em alguma paróquia ou movimento, simplesmente celebram a Santa Missa em uma casa vizinha de religiosas. Como se vê, plena e variada ocupação pastoral.

Lamentavelmente, há outros bispos que professam o bispo que opõe estudo e pastoral. As consequências são, em não poucos casos, deploráveis. Sem uma sólida preparação se constata como não poucos presbíteros são devorados pelo mundo e a própria pastoral acaba se desmoronando, frequentemente ao redor de dolorosas deserções e até escândalos...

A segura, ampla e profunda formação intelectual, obtida como fruto de anos de estudo, assegura a séria dedicação à ação pastoral direta, que adquire sentido de inspiração graças a uma clara, sólida e iluminada dimensão intelectual. O mito pós-conciliar da oposição tem causado enormes danos à Igreja; várias gerações sacerdotais, carentes de preparação intelectual, confundiram aos fiéis, ou pior, os extraviaram com doutrinas extravagantes, episódios de teólogos que não respondem à grande tradição eclesial, ou os deixaram desamparados diante de todos os erros do mundo moderno. O pastoralismo é relativista e seu populismo falso e prejudicial para os fiéis.

Há que ler de novo os Evangelhos, para reconhecer que Jesus não só anunciava a vinda próxima do Reino, e sim, que ensinava uma doutrina. Os Apóstolos, como vemos nas Cartas de São Paulo, concederam lugar importante à dimensão doutrinal, contemplativa e orante da vida cristã. Essa vivência interior da doutrina da fé permitia reconhecer os erros e combate-los. Tal o encargo de Paulo a seus discípulos, por exemplo, o que lemos na Segunda Carta a Timóteo:

“Eu te conjuro em presença de Deus e de Jesus Cristo, que há de julgar os vivos e os mortos, por sua aparição e por seu Reino: prega a palavra, insiste oportuna e inoportunamente, repreende, amea­ça, exorta com toda paciência e empenho de instruir. Porque virá tempo em que os homens já não suportarão a sã doutrina da salvação. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustarão mestres para si. Apartarão os ouvidos da verdade e se atirarão às fábulas. Tu, porém, sê prudente em tudo, paciente nos sofrimentos, cumpre a missão de pregador do Evangelho, consagra-te ao teu ministério” (2Tm 4,1-5).

Essa admoestação do Apóstolo se dirige, assim devemos entendê-la, aos pastores da Igreja de todos os tempos. E como poderiam vivê-la, se não embasaram sua ação pastoral no estudo assíduo e na oração, ambas exercidas pela fé?

Ademais, para concluir, devo dizer que aqueles que se dedicam exclusivamente à investigação da verdade, do ensinamento e da difusão mediante as publicações impressas, que hoje adquirem nova modalidade de uma rápida circulação pela internet, estão cumprimento estritamente pastoral. O populismo relativista é uma calamidade que deve ser superada.

Uma amostra superior da reputação do que expressei se encontra no modelo que é a obra de Joseph Ratzinger (Bento XVI); hoje, uma vez mais, ferozmente caluniado pelos inimigos de Cristo e da Igreja. Um grande teólogo, que dedicou sua vida à investigação da verdade e do ensino universitário, chega a ser Pastor da Igreja inteira, que a guia com decisão à busca de Deus, já que somente Ele assegura a sobrevivência do homem. Um teólogo humilde, silencioso e orante que se tornou Pastor exemplar, explica o que deve ser concebido como autenticamente pastoral. A inspiração de Bento XVI está na obra de São Bento expressada na Regula Monachorum, o tríplice compromisso cotidiano de oração, estudo e trabalho.

+ Héctor Aguer

 

[1] No original, “macaneo inconsistente”, o que conforme nota explicativa seria algo similar a “andar muito ocupados com bobagens”.

Fonte: https://www.infocatolica.com/?t=opinion&cod=42638

 

***

 

         A crítica de Dom Héctor Aguer, guardadas as devidas proporções, tem a sua pertinência. Só gostaria de traçar algumas considerações para situá-las melhor no contexto cultural do Brasil. A Ratio universal, atualizada a pedido do Papa Francisco em 2016, quando se refere à formação intelectual possui uma chave de leitura, que está na alínea b do parágrafo 186, qual seja:

         “186. Embora considerando a diversidade dos métodos, o ensino deverá garantir o prosseguimento de certos objetivos: [...]

         b. realizar a unidade e a síntese da formação intelectual, através da recíproca harmonia entre o estudo bíblico, teológico e filosófico; em particular, deve-se ajudar os seminaristas a ordenar e coordenar os conhecimentos, superando o risco de estes, se aprendidos em estudo fragmentado, formarem um mosaico não orgânico e, logo, confuso”.

         Nessa perspectiva, o ensino eclesiástico, em linhas gerais, padece de um mal sistêmico e crônico: a fragmentação. O seminarista, desde o primeiro período da faculdade de Filosofia, é inserido numa espiral confusa de ideias contraditórias, doutrinas mais ou menos elaboradas, ideologias paradoxais que exigem muitas vezes o sacrifício da sua vontade com a diluição do seu eu interior; sistemas filosóficos que são grandes castelos do intelecto humano, mas feitos de areia por causa dos seus erros nos princípios.

É uma grande plêiade de informações, cujo resultado prático, na melhor das hipóteses, ao final do processo é a adesão ao relativismo, consciente ou inconscientemente. E, no pior dos casos, ocorre o fenômeno de desconstrução da sua identidade mais primária enquanto ser humano considerado na sua totalidade (corpo, alma e espírito).

Não precisa acreditar em mim, acredite nos seus próprios olhos: pesquise no Google Imagens “antes e depois da federal” e analise foto após foto, caso queira identificar o aspecto estético desse fenômeno no ensino público universitário. A depender do seminário, a aparente ortodoxia será mantida no exterior... e meses após a ordenação, o “eu” autêntico é libertado das cadeias que o aprisionavam e, às vezes, os formadores são surpreendidos com a nova aparência que o neossacerdote adere quando o “jugo” da disciplina é retirado.

O contato com a “realidade pastoral” pode introduzir um elemento desagregador na formação intelectual, qual seja a de contrapor teoria e prática de maneira incontornável. “Ah, qual é a utilidade de se estudar esse pensador?”; “Padre Fulano não usa nada disso no seu agir”; “na prática, a teoria é outra”; “a melhor aula é a que não tem”; “depois de padre, tudo isso que estudou será em vão”; “o que importa é ser persuasivo” (uma repristinação tardia dos sofistas). As máximas são variadas...

Em contrapartida, reforço que nada mais prático que uma boa teoria. A boa filosofia, quando orientada pelo espírito da Fides et ratio, é capaz de ajudar o seminarista a formar o seu ser [1]. O sacerdócio, mais do que um fazer, é um ser. Ser como quem? Como Cristo. Tornar-se outro Cristo. A formação inicial, como a Igreja designa os anos de formação seminarística, é um processo que tem seu começo no batismo e durará a vida inteira (formação permanente na pastoral presbiteral). É um longo itinerário de imitação a Cristo. A alma do sacerdote, que participa ontologicamente do sacerdócio de Cristo, precisa exalar o bom odor de Cristo, isto é, dar frutos de conversão e santificação.

Com isso se quer dizer, no “português claro” que o estudo não é perfumaria. É parte integrante do se tornar sacerdote conforme o coração de Jesus. O próprio Senhor pediu aos seus apóstolos que ensinassem as nações “a observar tudo aquilo que vos prescrevi” (Mt 28,20), ao passo que o diaconato é instituído pelos mesmos apóstolos a fim de que pudessem se dedicar sem cessar à oração e ao ministério da Palavra de Deus (At 6,4). Até onde consigo enxergar o seminarista terá de enfrentar uma doença terrível – a tibieza – e o remédio consiste na oração mental. A título complementar, recomenda-se a leitura do capítulo oitavo do “Prática de amor a Jesus Cristo”.

E se o seminarista não trilhar esse caminho, o que acontecerá? Dom Héctor já disse: será um padre arrastado pelo que o Papa Francisco chama de “mundanismo”. Não terá condições de enfrentar o mundo e sucumbirá. Poderá ser um excelente administrador, fará grandes obras humanas, promoverá eventos, arrecadará fundos etc. Tudo construído sobre a areia. Ou, na linguagem de Dom Chautard, será um apostolado sem alma, um apostolado de um cadáver. A alma de todo apostolado está na vida interior, na vida de amizade com Jesus (na videira ligada aos ramos ou na morada que o Filho e o Pai farão na alma). E o padre em pecado mortal desprezou essa amizade e se tornou um funcionário do sagrado (o conceito no Evangelho é de mercenário, cf. Jo 10,13) [2].

“Ninguém dá aquilo que não tem...”, “ninguém ama aquilo que não conhece” ou “quem não vive como pensa, acaba pensando como vive”. A sabedoria popular é cirúrgica muitas vezes. O que fazer diante desse cenário caótico? Como fugir da mediocridade intelectual? Como sair do “senso comum” acachapante? Não adianta esperar que a resposta venha de cima, de quem tem poder de mando para reverter essa realidade. A solução está na reforma silenciosa do indivíduo que, ao perceber esse mal, inicia uma investida contra a fragmentação do ensino e conduz outros a buscarem a unidade do saber.

A pergunta ainda não foi respondida a contento. O itinerário que deve ser trilhado começa por reunir as peças do mosaico (do quebra-cabeça), isto é, tudo aquilo que o seminarista receber dos seus professores como conteúdo, ele deve iniciar uma tentativa de integrar isso no todo. Por mais falso que pareça aos olhos, aos ouvidos e a qualquer outro sentido como aquela máxima de que “só existem interpretações sobre os fatos e não fatos em si”, com a exceção do único fato embutido na frase. Ou de que “tudo é relativo” com exceção da única verdade absoluta sobre o relativismo de tudo o mais. Essa é a atitude de suspender o juízo.

O próximo passo consiste em entender que o conhecimento está situado numa linha histórica com seus altos e baixos, com avanços e retrocessos, com suas verdades e mentiras, com suas precisões e indefinições. Portanto, cabe ao seminarista preparar o seu material, com suas próprias palavras, em que ele vai integrando tudo isso numa cronologia.

Por exemplo, o seminarista do curso de Filosofia que no primeiro período na disciplina de História da Filosofia Antiga estuda os principais filósofos desse momento (Tales de Mileto, Heráclito, Sócrates, Platão e Aristóteles etc.). Um ano depois, ao ter a disciplina de Cosmologia, será retomado, de maneira isolada/fragmentada, isto é, sem inserir num todo, os pré-socráticos com a questão do elemento primordial (arché).

De modo prático, o seminarista deve escolher um livro de base para funcionar como fio condutor. Minha sugestão é “Noções de História da Filosofia” do Pe. Leonel Franca, fundador da PUC-Rio, um gigante esquecido em nossos dias, que escreveu com esse desiderato em mente. Depois ele deve preparar o resumo com seus termos no papel para gerar identificação com o que é produzido.

Em seguida, pode passar para o Word e tudo de novo que for aprendendo ao longo da faculdade (inclusive os trabalhos acadêmicos produzidos como avaliações, quais sejam: resumos, resenhas, fichamentos, artigos e, por último, a monografia), ir acrescentando ali como quem coleciona figurinhas no álbum, até formar um sistema orgânico. Ele mesmo terá condições de assinalar o que é falso, duvidoso, verdadeiro etc., vendo a partir dessa perspectiva mais global. Outra obra indispensável é “Como pensar as grandes ideias” do filósofo da educação Mortimer Adler, que elaborou um “dicionário” reflexivo e explicado com base nos clássicos do Ocidente [3].

Afinal, a vida de estudos ou intelectual, nos moldes propostos e defendidos pelo Pe. Sertillanges, é como uma grande sinfonia dos mortos. No início, os vivos entram para assistir à apresentação. E, com o passar dos anos, assumem algum instrumento e começam a tocá-lo também. A questão que se coloca é: nesse concerto com amplitude universal há uma melodia perene cujo som é mais baixo que os ruídos e alvoroços emitidos pelos inimigos do Belo. Todos tocam juntos, mas somente o ouvido treinado em encontrar a harmonia será capaz de somar forças aos amigos do Belo. E, ao fim da vida, serão convidados a participarem do cântico novo na eternidade e, vencida a crise, encontrarão de modo definitivo a unidade do saber.

 

Notas

[1] A boa teologia, quando orientada pelo espírito da Veritatis Splendor, é capaz de ajudar o seminarista a formar o seu ser, além do mais, considerando a ênfase bíblica que muitos institutos eclesiástico possuem, recomenda-se o estudo da Verbum Domini para contrapor o efeito danoso do método histórico-crítico.

[2] Para combater outro erro frequente que é o da intelectualidade desencarnada, convém recordar uma preciosa lição do Papa Francisco: “Com frequência, verifica-se uma perigosa confusão: julgar que, por sabermos algo ou podermos explicá-lo com uma certa lógica, já somos santos, perfeitos, melhores do que a «massa ignorante». São João Paulo II advertia, a quantos na Igreja têm a possibilidade de uma formação mais elevada, contra a tentação de cultivarem «um certo sentimento de superioridade relativamente aos outros fiéis». Na realidade, porém, aquilo que julgamos saber sempre deveria ser uma motivação para responder melhor ao amor de Deus, porque ‘se aprende para viver: teologia e santidade são um binómio inseparável’”.

         “São Francisco de Assis, ao ver que alguns dos seus discípulos ensinavam a doutrina, quis evitar a tentação do gnosticismo. Então escreveu assim a Santo Antônio de Lisboa: ‘Apraz-me que interpreteis aos demais frades a sagrada teologia, contanto que este estudo não apague neles o espírito da santa oração e devoção’. Reconhecia a tentação de transformar a experiência cristã num conjunto de especulações mentais, que acabam por nos afastar do frescor do Evangelho. São Boaventura, por sua vez, advertia que a verdadeira sabedoria cristã não se deve desligar da misericórdia para com o próximo: «A maior sabedoria que pode existir consiste em dispensar frutuosamente o que se possui e que lhe foi dado precisamente para o distribuir (...). (§45 e 46, Gaudete et exsultate). 

[3] O curso de apologética do Prof. Dr. Sérgio Resende é uma excelente sugestão também: https://www.youtube.com/watch?v=R9gYJkEDFKk&list=PLpIu9PAU-TBmjdIDuz8FkTLeQ65B9QvlI

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Devocionário contra a peste


Caríssimos irmãos,
Um seguidor de nosso blog preparou, talvez o único no Brasil em língua portuguesa, um Devocionário para o tempo de pandemia, recolhendo orações feitas na Tradição da Igreja, na Liturgia, pelos bispos das dioceses mais atingidas pelo novo coronavírus na Itália e pelo Papa Francisco. Há também alguns textos adicionais como a Hora Santa contra o flagelo da peste. O trabalho de tradução, em especial do latim, e de pesquisa foi árduo. Não deixem de rezar pelas necessidades dele. Decidimos publicar o texto para a maior glória de Deus.

Esperamos que seja um instrumento eficaz para suplicar ao Senhor o fim da peste. Para adquirir o livro, clique aqui.

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quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Há erro na imagem do Pai Eterno?



A representação do Divino Pai Eterno como um ancião é correta?

Alguns dizem se tratar de heresia, pois o Pai, primeira Pessoa da Santíssima Trindade, por ser puro Espírito, habitar em luz inacessível e não ter um rosto, não poderia ser representado numa imagem, muito menos como um ancião. Os críticos se baseiam, em linhas gerais, pelos seguintes trechos das Sagradas Escrituras:

- “Aquele que me viu, viu também o Pai” (Jo 14, 9);

- “o único que possui a imortalidade e habita em luz inacessível, a quem nenhum homem viu, nem pode ver” (1Tm 6, 16);

- “Jesus é a imagem de Deus invisível” (Cl 1, 15).

Antes de mais nada, é importante recordar a lição do Catecismo da Igreja Católica: “No entanto, a fé cristã não é uma ‘religião do Livro’. O Cristianismo é a religião da ‘Palavra’ de Deus, ‘não duma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo’” (n. 108).

A fé católica, portanto, é composta de três colunas (Tradição, Sagradas Escrituras e Magistério). Não adotamos o princípio protestante de “sola scriptura” que não tem fundamento algum, como vimos no artigo “São Pedro e São Paulo refutam o protestantismo” (clique aqui).

Sobre a questão que levantamos, a da representação do Divino Pai Eterno, o Papa São Pio X em seu Catecismo Maior recolhe da iconografia cristã os pontos de divergência e responde as perguntas com maestria. Vejamos:

108) Sendo Deus espírito puríssimo, por que se representa a Santíssima Trindade em forma visível?
Deus é espírito puríssimo; mas as três Pessoas divinas se representam sob certas imagens para dar-nos a conhecer algumas propriedades ou ações que se lhes atribuem a maneira com que algumas vezes têm aparecido.

109) Por que Deus Padre é representado em forma de ancião?
Deus Padre é representado em forma de ancião para significar a eternidade divina e porque Ele é a primeira Pessoa da Santíssima Trindade e o princípio das outras duas Pessoas.

110) Por que o Filho de Deus é representado em forma de homem?
O Filho de Deus é representado em forma de homem porque é também verdadeiro homem, por haver tomado a natureza humana para nossa salvação.

111) Por que o Espírito Santo se representa em forma de pomba?
O Espírito Santo se representa em forma de pomba porque nesta forma baixou sobre Jesus Cristo, quando foi batizado por São João.

quarta-feira, 6 de novembro de 2019

Os graus das celebrações litúrgicas: as solenidades



Os graus das celebrações litúrgicas:
as solenidades
            Conforme disposto nas Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, aprovadas por São Paulo VI, na Carta Apostólica sob forma de Motu Proprio “Mysterii Paschalis”, “as celebrações, que se distinguem segundo sua importância, são denominadas: solenidade, festa e memória[1].
As solenidades são o mais alto grau de uma celebração litúrgica e, exatamente por isso, nelas são celebrados os mistérios mais importantes de nossa fé e da obra da Redenção, bem como os dogmas relativos à Santíssima Virgem Maria e alguns santos de especial vulto na história da salvação. Também são solenidades[2] as celebrações do Padroeiro principal do lugar ou da cidade[3]; a Dedicação e o aniversário de Dedicação da Igreja[4], bem como a celebração do seu Titular[5]; e, por fim, a celebração do Titular, do Fundador ou do Padroeiro principal da Ordem ou Congregação religiosa[6].
Além dessas solenidades inscritas no calendário romano geral, é possível que seja estabelecido um calendário particular, aprovado pela Santa Sé, comum a uma diocese, a uma província, a uma região, a uma nação, a um território mais extenso, no qual estejam inscritos outras festas que, por consideráveis razões pastorais, poderão se tornar solenidades e com tal importância serem celebradas. Isso poderia ocorrer com a festa do Padroeiro principal da diocese e com a festa do Padroeiro principal da região ou província, da nação ou de um território mais amplo[7].
Além disso, é oportuno registrar que são celebradas como solenidades as festas do Senhor que venham a ocorrer nos domingos do Tempo Comum e do Tempo do Natal, que, no caso, são substituídos por tais celebrações[8], segundo dispõe a tabela de dias litúrgicos, segundo sua ordem de precedência[9].
Dentre os mistérios da obra da Redenção, são celebrados como solenidade o Tríduo Pascal da Paixão e Ressureição do Senhor, o Natal do Senhor, a Anunciação, a Epifania, a Ascensão e o Pentecostes. A celebração das duas maiores solenidades, Páscoa e Natal, prolonga-se por oito dias seguidos, as chamadas oitavas, que são regidas por leis próprias, sendo que os oito primeiros dias do Tempo Pascal formam a oitava da Páscoa e todos eles são celebrados como solenidades do Senhor[10].
Outros mistérios da nossa fé também são solenidades, como a celebração da Santíssima Trindade, no primeiro Domingo depois de Pentecostes; a celebração do Santíssimo Sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo, na quinta-feira depois da Santíssima Trindade; a celebração do Sagrado Coração de Jesus, na sexta-feira após o 2º domingo depois de Pentecostes; e a celebração de Jesus Cristo, Rei do Universo, no último Domingo do Tempo Comum.
Relativamente à Virgem Santa Maria, celebra-se, no domingo da oitava do Natal, a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus; no dia 15 de agosto ou no domingo seguinte, a Assunção de Nossa Senhora; e, no dia 08 de dezembro, a Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Contempla-se, assim, no calendário litúrgico, a celebração dos dogmas marianos, estando o dogma da virgindade perpétua associado ao dogma da maternidade divina de Maria, celebrado no domingo da oitava do Natal, como já se mencionou.
Além disso, alguns santos inscritos no calendário romano geral são celebrados como solenidades, em consideração à sua importância no mistério da salvação. Assim, temos a solenidade de São José, esposo de Nossa Senhora e pai nutrício de Nosso Senhor Jesus Cristo, no dia 19 de março[11]; a Natividade de São João Batista, o precursor do Salvador, no dia 24 de junho; São Pedro e São Paulo Apóstolos, colunas da Igreja, no dia 29 de junho ou no domingo seguinte; e Todos os Santos, no dia 1º de novembro ou no domingo seguinte.
Além disso, como já se disse, os Padroeiros locais, os Titulares de uma Igreja ou de uma Ordem ou Congregação religiosa e a Dedicação de uma Igreja também são solenidades. Para exemplificar, mencione-se a solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira do Brasil, celebrada no dia 12 de outubro, em todo o país, que está sob o seu patrocínio.
Por fim, uma festa do Senhor que eventualmente venha a coincidir com um domingo do Tempo Comum ou do Tempo do Natal será celebrada como solenidade e terá precedência sobre a celebração do referido domingo. Para exemplificar, veja-se que, no ano de 2020, a festa da Apresentação do Senhor, celebrada no dia 02 de fevereiro conforme o calendário romano geral, coincidirá com o IV Domingo do Tempo Comum. Nesse caso, esta festa será celebrada não como tal, mas sim como solenidade do Senhor. E, assim sendo, fica omitida a celebração do IV Domingo do Tempo Comum, que será precedida pela celebração da Apresentação do Senhor, elevada circunstancialmente ao grau de solenidade, como se disse.
            A celebração das solenidades, assim como a dos domingos, foge à regra comum da celebração dos demais dias litúrgicos. Estes, normalmente, se iniciam à meia-noite e se estendem até a outra meia-noite. Já as solenidades – e também os domingos – são celebradas desde o entardecer do dia precedente (vespere diei praecedentis”), com a recitação da hora canônica das Primeiras Vésperas[12]. Tal inspiração encontra raízes no costume judaico de contagem de tempo de um pôr do sol a outro, de modo que a véspera do dia festivo já inicia o próprio dia[13]. Convém notar que algumas solenidades são enriquecidas com um formulário de Missa próprio para a Vigília, que deve ser utilizado na véspera do dia, quando houver Missa vespertina[14].
            Nem todas as solenidades são guardadas como dias festivos de preceito, isto é, como dias nos quais os fiéis têm a obrigação de participar na Missa. A despeito disso, todos os dias de preceito são domingos ou solenidades. Segundo dispõe o cânon 1246, §1º, do Código de Direito Canônico, além dos domingos, devem guardar-se como dias festivos de preceito os dias do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, Epifania, Ascensão e Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, Santa Maria Mãe de Deus, e sua Imaculada Conceição e Assunção, São José e os Apóstolos São Pedro e São Paulo, e finalmente de Todos os Santos.
            Como regra geral, quando as solenidades coincidem com um domingo, este tem precedência sobre aquelas, por causa da sua especial importância. Se se tratar, porém, de uma solenidade ou festa do Senhor, o domingo cede a sua celebração àquela, desde que não seja um domingo do Advento, da Quaresma e da Páscoa, que gozam de precedência sobre todas as festas do Senhor e todas as solenidades[15]. As solenidades que ocorram nestes domingos são, consoante a norma geral, antecipadas para o sábado[16]. Existem, entretanto, algumas exceções, previstas pelo próprio calendário romano geral. Assim é que: (i) no domingo dentro da oitava do Natal do Senhor, celebra-se a festa da Sagrada Família; (ii) no domingo depois do dia 6 de janeiro, celebra-se a festa do Batismo do Senhor; (iii) no domingo depois de Pentecostes, celebra-se a solenidade da Santíssima Trindade; e (iv) no último domingo do Tempo Comum, celebra-se a solenidade de Jesus Cristo, Rei do Universo. Estes domingos, portanto, cedem espaço à celebração das referidas solenidades [17].
Além disso, existem outras exceções que são possíveis, a depender das circunstâncias locais. Desse modo, nos lugares em que as solenidades que constituem dias festivos de preceito não sejam reconhecidas pelo poder civil como dias santos de guarda, tais solenidades são transferidas para um domingo próximo, que se torna o seu dia próprio. Assim é que, em tais lugares, a solenidade da Epifania é celebrada no domingo que ocorrer entre os dias 2 e 8 de janeiro; a solenidade da Ascensão do Senhor é celebrada no lugar do 7º Domingo da Páscoa; e a solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo é celebrada no domingo depois da Santíssima Trindade. Quanto a isso, no Brasil, com autorização da Sé Apostólica, baseado no cânon 1246, §2º, do Código de Direito Canônico, para favorecer o cumprimento do preceito, as celebrações das solenidades da Epifania, da Ascensão, da Assunção de Nossa Senhora, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e de Todos os Santos foram transferidas para o domingo e a festa de preceito de São José foi abolida, permanecendo, entretanto, a sua celebração litúrgica.
Todos os outros dias de semana que não possuam grau de precedência que impeça cedem o lugar à celebração das solenidades. Se a solenidade for impedida por um dia litúrgico que goze de precedência, ela deve ser transferida para o dia livre mais próximo, observado o que já se disse anteriormente[18]. Note-se que, segundo as rubricas, somente as solenidades gozam do direito de transferência[19].
É comum que, para a celebração das solenidades, ao menos para as inscritas o Missal Romano apresente um formulário específico para a Missa, constante no Próprio do Tempo ou no Próprio dos Santos. No formulário, há a indicação da antífona de entrada, da oração do dia, da oração sobre as oferendas, da antífona da comunhão e da oração depois da comunhão. Para algumas solenidades, há, inclusive, a indicação de prefácio próprio no formulário da Missa.
Para as solenidades, assim como para os domingos, estão assinaladas, costumeiramente, três leituras, isto é: (i) a primeira, do Antigo Testamento, seguida do salmo responsorial[20]; (ii) a segunda, do Apóstolo, ou seja, das Epístolas dos Apóstolos ou do Apocalipse; e, por fim, (iii) o Evangelho[21] [22]. No caso de uma festa ser elevada ao grau de solenidade, segundo já se expôs anteriormente, é necessário recorrer ao Comum para a escolha de uma terceira leitura, já que, no Próprio, estarão indicadas, normalmente, apenas duas leituras (com exceção das festas dos Senhor, em cujo Próprio constam as três leituras[23]). Nas solenidades dos calendários particulares, aprovados pela Santa Sé, conforme já se expôs, devem propor-se três leituras, a não ser que a Conferência Episcopal tenha determinado que, nesses casos, se deva haver só duas leituras[24].
Nas solenidades, mesmo nas que ocorram no Advento e na Quaresma, o Glória é cantado ou recitado[25]. Igualmente, em todas as solenidades, o símbolo, ou profissão de fé, é cantado ou recitado pelo sacerdote juntamente com o povo, estando todos de pé e inclinando-se profundamente às palavras “e se encarnou pelo Espírito Santo”, na fórmula do Credo Niceno-constantinopolitano, ou “que foi concebido pelo poder do Espírito Santo”, no Símbolo Apostólico. Ocorre, porém, que, em duas solenidades, a da Anunciação do Senhor e a do Natal do Senhor, em vez de se inclinarem profundamente, todos, ao proclamarem as mencionadas palavras, devem genuflectir[26].
Quanto à música e à ornamentação do altar, as normas litúrgicas recomendam a sobriedade, sobretudo para o tempo do Advento e da Quaresma, mesmo nos domingos. Neste sentido, está disposto que, no tempo da Quaresma, só é permitido o toque do órgão e dos outros instrumentos musicais para sustentar o canto e que, nesse tempo litúrgico, não é permitido adornar o altar com flores[27]. Quanto ao tempo do Advento, recomenda-se moderação na ornamentação do altar e no toque do órgão e dos outros instrumentos musicais, de modo a não antecipar a plena alegria do Natal do Senhor[28]. Ocorre, porém, que, mesmo durante o Advento e a Quaresma, na celebração de uma solenidade – assim como na celebração das festas e do domingo Laetare, no IV Domingo da Quaresma – permite-se adornar o altar com flores e utilizar o órgão e os demais instrumentos musicais, de modo a ressaltar o júbilo daquela celebração[29]. Trata-se, portanto, de uma exceção à regra geral, em razão de tais solenidades exprimirem aspectos importantes da fé.
Oportuno, registrar, por fim, que, nas solenidades, não se pode celebrar uma Missa ritual[30]. Isso não quer dizer, contudo, que nos dias em que tal Missa seja proibida, não se possa celebrar o sacramento ou o sacramental durante uma Missa. Dizer que uma Missa ritual é proibida significa dizer que não se pode utilizar o formulário próprio para ela, conforme está previsto no Missal Romano. Mas é perfeitamente possível, salvo alguma norma em contrário, em situações bem específicas, celebrar uma Missa unida a determinado sacramento ou sacramental nos dias em que não se pode celebrar a Missa ritual. Além disso, nas solenidades que também sejam dias de preceito, não se pode celebrar a Missa de exéquias, embora, em tais casos, seja possível a celebração das exéquias sem Missa[31]. Registre-se, ainda, que as Missas para as diversas necessidades também não podem ser celebradas nas solenidades[32].
As solenidades, dado o seu caráter festivo, quando são celebradas numa sexta-feira, suspendem a lei de abstinência de carne ou de outro alimento –  à qual estão obrigados os fiéis com mais de 14 anos –, e o caráter penitencial desse dia[33].
Terminando, convém observar, como já se pôde notar, que uma mesma celebração pode ter uma classificação diferente em diversas áreas geográficas, prevalecendo, em muitos casos, segundo o que se expôs e conforme as normas litúrgicas, sobretudo aquelas referentes à ordem de precedência de um dia litúrgico, um critério que privilegia a particularidade do local, da província, do país, da região, do próprio templo ou da Ordem ou Congregação religiosa. Assim, é plenamente possível que uma festividade seja solenidade num lugar e simples memória noutro.
Veja-se, nesse sentido, um exemplo simples, porém ilustrativo, sem considerar, é claro, eventuais nuances que alterassem o quadro apresentado. Juiz de Fora é uma cidade mineira e tem Santo Antônio de Pádua por Padroeiro municipal e por Titular da Igreja Catedral daquele lugar. Pequeri também é uma cidade mineira, vizinha à Juiz de Fora, e tem São Pedro Apóstolo por Padroeiro municipal e Titular da Igreja paroquial daquele lugar. Juiz de Fora e Pequeri são cidades que pertencem à Arquidiocese de Juiz de Fora, que tem Santo Antônio por Padroeiro diocesano. Por sua vez, Rio das Flores é uma cidade fluminense próxima a Juiz de Fora e a Pequeri e tem Santa Teresa de Jesus por Padroeira municipal e Titular da Igreja paroquial. Rio das Flores pertence à Diocese de Valença, que tem São Sebastião por Padroeiro diocesano. A partir da consideração dessas três cidades, pode-se verificar muito bem aquilo que se disse logo acima. Perceba: Santo Antônio de Pádua, presbítero doutor da Igreja, tem a sua memória obrigatória inscrita no dia 13 de junho no calendário romano geral. Em Juiz de Fora, Santo Antônio de Pádua será celebrado como solenidade, por ser o Padroeiro municipal. Em Pequeri, Santo Antônio de Pádua será celebrado como festa, dado que ele é o Padroeiro diocesano da Arquidiocese de Juiz de Fora, à qual pertence a cidade de Pequeri, sendo possível, como já se disse, que, por arrazoadas motivações pastorais, essa festa, por se tratar de festa do Padroeiro diocesano, seja celebrada como solenidade também em Pequeri e nas demais cidades que pertencem à Arquidiocese de Juiz de Fora. Em Rio das Flores, Santo Antônio de Pádua, via de regra, será celebrado como memória obrigatória, de acordo com a inscrição do calendário romano geral. Agora, suponha-se que a solenidade de Pentecostes, em determinado ano, ocorra no dia 13 de junho, dia em que também Santo Antônio de Pádua está inscrito no calendário romano geral. Qual celebração teria lugar em Juiz de Fora, Pequeri e Rio das Flores nesse dia? A solenidade de Pentecostes seria celebrada em todas essas cidades, em consideração à sua precedência na tabela dos dias litúrgicos em relação à solenidade do Padroeiro principal do lugar e do Titular da Igreja, bem como em relação à festa do Padroeiro diocesano. Ou seja, mesmo na Catedral de Santo Antônio de Pádua, da Arquidiocese de Juiz de Fora, situada na cidade de mesmo nome e que tem o referido santo por Padroeiro municipal, seria celebrada a solenidade de Pentecostes. O mesmo se daria em Pequeri e Rio das Flores. E quando poderia ser celebrada a festividade de Santo Antônio? No dia livre mais próximo. Assim, por exemplo, em Juiz de Fora, a solenidade de Santo Antônio poderia ser celebrada no dia 14 de junho, segunda-feira, ou, então, no sábado, dia 12 de junho, até as Primeiras Vésperas de Pentecostes, no entardecer daquele sábado. O mesmo se daria em Pequeri somente se a festa de Santo Antônio de Pádua, Padroeiro diocesano da Arquidiocese de Juiz de fora, estivesse sendo celebrada como solenidade, por arrazoadas motivações pastorais. Isso porque, como se disse, somente as solenidades, segundo as rubricas, têm direito de transferência. Já em Rio das Flores, a não ser que haja outra razão que altere o exemplo que se dá, a celebração da memória obrigatória de Santo Antônio será omitida na liturgia daquele ano, uma vez que – repita-se – as festas e as memórias não podem ser transferidas dentro do calendário litúrgico. Se, entretanto, para satisfazer a piedade legítima dos fiéis, um padre, em Rio das Flores, assim o desejar, poderá, num dia ferial livre seguinte ao dia 13 de junho, celebrar uma Missa votiva em honra à Santo Antônio, valendo-se do formulário contido no Próprio dos Santos do Missal Romano. O mesmo poderia ocorrer em Pequeri, caso Santo Antônio de Pádua, Padroeiro diocesano da Arquidiocese de Juiz de Fora, tivesse sido celebrado como festa.
Wender Vinícius Carvalho de Oliveira

Ps: Presente enviado pelo Wender, que é um dos seguidores do blog e resolveu dar sua contribuição litúrgica, sem se valer do anonimato. 



[1] Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, nº. 10.

[2] Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, nº. 59.

[3] Assim, por exemplo, São Sebastião, no dia 20 de janeiro, é celebrado como solenidade na cidade do Rio de Janeiro, por ser o Padroeiro principal do município, embora, em outra localidade que não lhe tenha como Padroeiro principal, a sua celebração seja uma memória facultativa, conforme o calendário romano geral.

[4] Assim, por exemplo, no dia 05 de setembro, na Catedral Metropolitana Nossa Senhora da Assunção e São Paulo, na Arquidiocese de São Paulo, se celebra a Solenidade do aniversário da Dedicação da Catedral.

[5] Assim, por exemplo, no dia 1º de outubro, seria solenidade a celebração de Santa Teresa do Menino Jesus e da Sagrada Face na Igreja que lhe tem por Padroeira principal, embora em outras Igrejas que não lhe tenham por Padroeira principal a sua celebração seja uma memória obrigatória, conforme o calendário romano geral.

[6] Assim, por exemplo, no dia 11 de julho, São Bento – que, conforme o calendário romano geral seria celebrado como memória –  é celebrado como solenidade em toda a Ordem de São Bento, por ser seu Fundador e Padroeiro.

[7] Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, nº 59. Assim, por exemplo, supondo-se uma tão grande devoção à Nossa Senhora da Penha, Padroeira principal do Espírito Santo – que é celebrada em todo o Estado em grau de festa, na segunda-feira seguinte ao Domingo in albis –, seria possível, depois de uma arrazoada consideração pastoral, celebrá-la em grau de solenidade dentro do território daquele mesmo Estado.

[8] Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, nº. 13.

[9] Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, nº. 59.

[10] Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, nº. 24.

[11]  A solenidade de São José, esposo de Maria, no dia 19 de março, poderá ser transferida, pelas Conferências Episcopais, para outro dia fora da Quaresma, a não ser que, no país, o dia 19 de março seja dia santo de guarda. No caso do Brasil, conforme a legislação complementar ao Código de Direito Canônico, a festa de preceito de São José foi abolida, permanecendo, contudo, a sua celebração litúrgica.

[12] O conceito de "tarde do dia antecedente" não é unívoco entre canonistas. Há uma corrente mais ampliativa que interpreta o termo “vespere diei praecedentis”, constante do cânon 1.248, § 1º, do vigente Código de Direito Canônico, como sendo a tarde do dia anterior, desde o seu início, ou seja, desde as 12h.

[13] Assim, por exemplo, o sábado, para o judeu, inicia-se no pôr do sol da sexta-feira.

[14] Entre estes casos, destacam-se a Páscoa, o Natal do Senhor e o Pentecostes. Se a solenidade também for dia de preceito, este será cumprido assistindo essa Missa vespertina.

[15] Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, nº 5.

[16] Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, nº 5.

[17] Além das exceções já referidas, que são universais, há, aqui, uma particularidade para o Brasil: a Solenidade da Imaculada Conceição, celebrada no dia 08 de dezembro, costumeiramente ocorre no período do Tempo do Advento e mesmo que venha a coincidir com um dos domingos do Advento, ela terá precedência sobre a celebração desse domingo, o que subverte a norma geral e mesmo a tabela de dias litúrgicos segundo a sua ordem de precedência. Isso consiste numa permissão da Sé Apostólica para o Brasil e outros países, como Portugal, que guardam especial devoção à Imaculada Conceição da Virgem Maria.

[18] Para a melhor compreensão deste ponto, veja-se um exemplo. No ano de 2018, a solenidade da Anunciação do Senhor coincidiu com o Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor, que, segundo a tabela de precedência, possui primazia sobre aquela solenidade. Os dias subsequentes também estavam todos eles impedidos, uma vez que, segundo a tabela de dias litúrgicos, os dias de semana da Semana Santa, o Tríduo Pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor, o Domingo da Páscoa e os dias dentro da oitava da Páscoa até o Domingo in albis inclusive, possuem precedência sobre aquela solenidade do Senhor. O primeiro dia litúrgico desimpedido seria a segunda-feira seguinte à oitava da Páscoa, que possui grau de precedência inferior às solenidades do Senhor. Assim é que, na segunda-feira seguinte ao Domingo in albis, foi celebrada, no ano de 2019, a solenidade da Anunciação do Senhor.

[19] Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas, nº 222.

[20] A primeira leitura, durante o Tempo Pascal, é retirada dos Atos dos Apóstolos, e não do Antigo Testamento, segundo antiga tradição tanto oriental como ocidental (cf. Introdução Geral ao Elenco das Leituras da Missa, nº 100).

[21] Instrução Geral do Missal Romano, nº 357.

[22] Oportuno registrar que a Conferência Episcopal, por motivos pastorais, pode permitir que em algum lugar se façam somente duas leituras (cf. Introdução Geral ao Elenco das Leituras da Missa, nº 79). No Brasil, a Conferência Episcopal, em sua IX Assembleia Geral, ocorrida em 1970, decidiu que, por motivos pastorais, podem ser feitas apenas duas leituras na celebração. A escolha entre as duas primeiras leituras, nesses casos, deve ser feita considerando aquela que esteja mais diretamente relacionada com o Evangelho, ou aquela que esteja mais de acordo com um projeto de catequese orgânica dos fiéis, ou aquela que facilite a leitura semicontínuo de algum livro.

[23] Oportuno registrar, entretanto, que, se uma festa do Senhor for celebrada enquanto tal, e não como solenidade, apenas duas leituras são proclamadas, isto é, uma primeira leitura, seguida do salmo responsorial, e a leitura do Evangelho.

[24] Introdução Geral ao Elenco das Leituras da Missa, nº 84.

[25] Instrução Geral do Missal Romano, nº 53.

[26] Instrução Geral do Missal Romano, nº 68 e nº 137.

[27] Instrução Geral do Missal Romano, nº 307 e nº 313.

[28] Instrução Geral do Missal Romano, nº 307.

[29] Instrução Geral do Missal Romano, nº 307 e nº 313.

[30] Instrução Geral do Missal Romano, nº 372. As Missas rituais são aquelas ligadas à celebração de certos Sacramentos ou Sacramentais. Por exemplo, a Missa ritual do Sacramento do Matrimônio e a Missa ritual da Consagração das Virgens.

[31] Instrução Geral do Missal Romano, nº 380.

[32] Instrução Geral do Missal Romano, nº 374.

[33] Cânon  1250, do Código de Direito Canônico – Os dias e tempos penitenciais, em toda a Igreja, são todas as sextas- feiras do ano e o tempo da quaresma.

Cânon  1250, do Código de Direito Canônico – Observe-se a abstinência de carne ou de outro alimento, segundo as prescrições da Conferência dos Bispos, em todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades; observem-se a abstinência e o jejum na quarta-feira de Cinzas e na sexta-feira da paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Legislação complementar ao Código de Direito Canônico para o Brasil - Quanto aos cânones 1251 e 1253: Toda sexta-feira do ano é dia de penitência, a não ser que coincida com solenidade do calendário litúrgico. Os fiéis nesse dia se abstenham de carne ou outro alimento, ou pratiquem alguma forma de penitência, principalmente obra de caridade ou exercício de piedade. A quarta-feira de cinzas e a sexta-feira santa, memória da Paixão e Morte de Cristo, são dias de jejum e abstinência. A abstinência pode ser substituída pelos próprios fiéis por outra prática de penitência, caridade ou piedade, particularmente pela participação nesses dias na Sagrada Liturgia.